quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Carlos Drummond de Andrade



Outro extraordinário poeta brasileiro!!! Gosto muito de vários poemas de Carlos Drummmond de Andrade; mas como teria que escolher apenas um para postar hoje, acredito que "José" nos faz pensar... e como pensar é uns dos objetivos deste blog então aqui vai este formidável poema:






José


E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, você?

você que é sem nome,

que zomba dos outros,

você que faz versos,

que ama, protesta?

e agora, José?

Está sem mulher,

está sem discurso,

está sem carinho,

já não pode beber,

já não pode fumar,

cuspir já não pode,

a noite esfriou,

o dia não veio,

o bonde não veio,

o riso não veio,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou,

e agora, José?

E agora, José?

Sua doce palavra,

seu instante de febre,

sua gula e jejum,

sua biblioteca,

sua lavra de ouro,

seu terno de vidro,

sua incoerência,

seu ódio — e agora?

Com a chave na mão

quer abrir a porta,

não existe porta;

quer morrer no mar,

mas o mar secou;

quer ir para Minas,

Minas não há mais.

José, e agora?

Se você gritasse,

se você gemesse,

se você tocasse

a valsa vienense,

se você dormisse,

se você cansasse,

se você morresse...

Mas você não morre,

você é duro, José!

Sozinho no escuro

qual bicho-do-mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja a galope,

você marcha, José!

José, para onde?



Carlos Drummond de Andrade

Monteiro Lobato



Alguns dias sem postagem alguma... Mas aqui está: um breve conto de Monteiro Lobato, autor consagrado pelas suas fantásticas e inúmeras obras, e que neste conto, não tão conhecido quanto outros, descreve João Teodoro, um homem pacato, simples, porém, com uma consciência incomum. Leia e reflita!




UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA

Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens.
Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a
si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era
João Teodoro.

Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E
por muito tempo não quis sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra
melhor.

Mas João Teodoro acompanhava com aperto no coração o deperecimento visível
de sua Itaoca.
- Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons
- Agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço
para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais
por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a
minha Itaoca está se acabando...

João Teodoro entrou a incubar a idéia de também mudar-se, mas para isso
necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que
Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível.
- É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido,
que Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então arrumo a trouxa e
boto-me fora daqui.

Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado.
Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio.
Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada,
não se julgava capaz de nada...

Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais
importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas,
que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado - e
estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!...

João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando
e arrumando as malas. Pela madrugada botou-as num burro, montou no seu
cavalo magro e partiu.

- Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?

- Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo
ao fim.

- Mas como? Agora que você está delegado?

- Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não
moro. Adeus.

E sumiu.


Monteiro Lobato